Crônica do poeta Marco Bogado, lida no "Sarau de Leitura - Letra Lida na Olido" no dia 13/04.
“São Paulo é uma cidade desumana!” é uma frase que você já deve ter escutado por aí. No entanto é uma construção literária no mínimo estranha se você pensar que São Paulo é um dos lugares mais humanos do mundo. Claro, pois se há quase vinte milhões humanos que habitam por aqui, haverá lugar mais humano do que São Paulo? Talvez apenas a Cidade do México, Bombaim, Seul e Tóquio, que alcançaram cifras maiores. Mas, mesmo assim, é consenso que as cidades do mundo inteiro estão se tornando desumanas. Estranho, já que nada mais humano do que se concentrar e construir cidades, já que aproximadamente metade dos humanos vivem em cidades
Mas o que querem dizer com desumano? Seria talvez um sinônimo para cruel, bárbaro ou, talvez, animalesco. Portanto seria algo como o contrário de ser humano, que se suporia dotado de justiça, generosidade e de um espírito gregário. Bom, que somos “gregários” ninguém nega e as grandes cidades estão aí para provar, mas que somos justos e generosos? Difícil concordar, já que a História parece dizer o contrário, afinal qual animal fora o humano mata, escraviza e destrói com tanta versatilidade a si mesmo como o bicho homem? Campos de concentração, armas de fogo, tortura, guerras, armas de destruição em massa, navios negreiros e até nossas indústrias e plantações, que estão aí para prover, acidentam o humano que a ela serve com acidentes físicos e psicológicos. Deste modo, nada mais humano que matar, roubar, ferir e mentir.
Ora, mais os outros animais também matam e, frequentemente, matam à sua própria espécie, por razões várias que cabem a um zoólogo vir aqui explicar. E não apenas para comer como dizem certos humanos, para provar isto basta observar um gato frente a uma barata. Então o que distingue a humanidade do homem a animalidade do animal? Bom, o ser humano por definição é gregário e possui e desenvolve constantemente a cultura. Então está aí a resposta! Não é “desumano” matar, desde que seja em grupo e com cultura, sofisticação por assim dizer. Isto que fizeram grandes líderes, ditadores e países inteiros, e com grande requinte, devo ressaltar. Matam em grupo e com objetos sofisticados. Algumas vezes o grupo não está presente de fato, mas “legitima” com justiça a morte alheia, criando rituais de enforcamento, guilhotina, dentre outros, criando os profissionais da morte, tais como os carrascos, soldados, generais, políticos e economistas. Políticos e economistas? Isto mesmo, já que na mão deles é decidida a falência, a fome e, por fim, a morte de regiões inteiras do mundo, tudo com muita sofisticação.
Então o que fazer? Bom, seguindo este raciocínio é possível dizer que, aqueles que pregam a paz, a justiça e a generosidade deveriam sugerir a todos humanos serem,digamos, menos humanos, já que parece, até aqui, que ser humano é tudo isto que está aí nas grandes e pequenas violências das cidades.
(Marco Bogado escreve todos os domingos no blog Literatura Cotidiana: http://literaturacotidiana.bogado.net/)